domingo, 8 de junho de 2008

Sabias que... (I)

Foi do meu avô que ouvi contar a esmagadora maioria dessas histórias. Mas não eram fábulas ou contos para entreter, eram mesmo verdadeiras, como o meu avô insistia em dizer. Eram histórias de experiências vividas por amigos ou familiares, que passavam de geração em geração, para nunca se esquecer. Para mim, eram sempre surpreendentes, inacreditáveis, pois, não se reflectiam no meu quotidiano nem à minha realidade. Devo acrescentar que meu avô sempre teve um fascínio pelo mistério e o sobrenatural. Tinha a absoluta certeza que se alguém viu, sentiu ou ouviu algo, é porque esse “algo” existe, mesmo que seja inexplicável. Dizia-me muitas vezes, «nunca houve uma época sem mistérios». E eu, pequenina, acreditava nesses mistérios.
Esta história que vou contar foi uma das primeiras que o meu avô me contou, ou pelo menos, a primeira que me recordo. Puxava-me para o seu colo, sentando-me na sua perna esquerda, poupando a direita que já o obrigava a usar muletas, e começava assim: «Sabias que há pessoas que conseguem estar em dois sítios ao mesmo tempo?» Eu devia ter feito uma cara de espanto e não era para menos, isso só em sonhos. Lembro-me que ele ficou chocado por eu desconfiar. Com o tempo aprendi a acreditar em tudo o que me dizia. «Não sabias? Mas é verdade! Olha que eu sei do que falo! Tem acontecido com várias pessoas e uma delas era da tua família. Isto é verdade!» Lembrava-me, o avô, mais uma vez. «Não a conheceste, pois, nem eu a conheci. Foi meu pai que me contou. Chamava-se Almesinda… tia Almesinda...» Disse o nome pausadamente como se, ao mesmo tempo que falava, tentasse recordar algo. Olhou para a janela, semicerrou os olhos e continuou. «Viveu praticamente toda a vida num convento. Era uma freira extremamente devota, tão devota quanto bonita, alguns arriscaram mesmo em dizer que era a freira mais devota e bonita daquele convento. Passava horas e horas rezando a Deus e aos Santos, saltando refeições ou dormidas. Talvez por isso tenha sido bafejada com o milagre da duplicação. Se já nessa altura lhe era possível estar presente em dois sítios diferentes, ninguém o soube. Só mais tarde, quando adoeceu, ainda muito jovem, tendo ido para casa do irmão, é que começaram os avistamentos da tia Almesinda em vários locais e por várias pessoas. Para todos os que a viam parecia-lhes impossível de acreditar, pois, sabiam que ela jazia deitada na sua cama, doente sem se mexer». Voltou a olhar para mim. «Mas que era ela, era! Disso, ninguém duvidou!». Disse, abrindo muito os olhos, esticando o indicador da sua mão enrugada, como se dissesse algo que naquele momento me convenceria da veracidade da história, retirando de vez qualquer dúvida que eu pudesse ter. «Por isso te digo: há pessoas que conseguem estar em dois sítios ao mesmo tempo». E eu anuí com a cabeça, também com os olhos bem abertos, demonstrando a minha total credulidade.
O meu avô nunca me mentiu. Hoje sei que esse fenómeno é conhecido por bilocação. Aliás, a bilocação seria um dos muitos milagres de Santo António de Lisboa. Textos antigos contam-nos que, enquanto pregava na Igreja de S. Pierre du Queyroix, em Limoges, França, na Páscoa de 1226, Santo António lembrou-se que tinha outro compromisso num mosteiro a muitos quilómetros dali. Assim, enquanto ajoelhado rezava, à vista dos paroquianos, no outro lado distante, os monges do mosteiro viram-no também a fazer leituras na tal cerimónia combinada. Tal como este, há muitos relatos verosímeis de pessoas que parecem ter conseguido estas aparições impossíveis, principalmente no meio católico, mas não só, em outras religiões e crenças existem também relatos de duplicação espiritual, nomeadamente, no budismo.
Embora não duvide do meu avô, confesso que é difícil de acreditar, até porque eu mesma já tentei a bilocação em várias ocasiões em que esse fenómeno me daria alguma vantagem. Escusado será dizer que tive que refazer várias vezes a minha agenda…

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