terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sabias que... (V)

As lendas ou mitos sempre me intrigaram. Apesar de saber que são fruto da oralidade, susceptíveis de distorção ao longo dos tempos, restando alguns testemunhos, com certeza imaginativos e fantasiosos, que os transportam para a escrita, para que sobrevivam, acredito que têm um fundo de verdade. E é essa verdade que busco cada vez que leio ou oiço uma lenda. Foi essa busca que iniciei no dia em que ouvi falar, pela primeira vez, na Atlântida, na aula de História. Intrigou-me a possibilidade de algum dia ter existido todo um continente que terá desaparecido misteriosamente sem deixar vestígios.
Nesse dia, estava desejosa de chegar a casa dos meus avós para poder falar com o verdadeiro especialista em mistérios e mitos como este da Atlântida: o meu avô!
«Avô, avô, já ouviste falar da Atlântida?» Gritei eu, assim que entrei em casa. Encontrei a minha avó perto do fogão e, antes que ralhasse comigo por causa da gritaria, fui dar-lhe um beijo. «O avô?», perguntei eu sem demora. «Boa tarde!» respondeu a minha avó em tom de censura. «Isso são maneiras de entrar em casa, aos gritos e sem cumprimentar as pessoas? O teu avô está na sala. Vê se o cumprimentas antes de o bombardear com perguntas.» Deixei a minha avó ainda a resmungar e corri para a sala. Lá estava o meu avô, na sua poltrona, a ler um livro, o seu único vício, com os óculos na ponta do nariz. Podia não parecer, mas aquela poltrona estava estrategicamente colocada de forma a usufruir da luz natural que entrava pela janela. Essa era uma das poucas exigências do meu avô. Tudo podia mudar naquela sala menos a poltrona no seu lugar cativo. «Olá, avô!» Corri para ele, que já estava de braços abertos para me receber. Dei-lhe um beijo e não perdi mais tempo com cumprimentos, exigidos pela avó. «Avô, hoje falámos da Atlântida, na aula de História! Como é que é possível ter desaparecido? Nem sabem se alguma vez existiu… Existiu, avô?». Eu não tinha qualquer dúvida que o meu avô saberia alguma coisa sobre a Atlântida. De certeza que já tinha todo um conceito ou teoria sobre isso. E eu estava ansiosa por o saber. O meu avô sorria. Percebia-se a satisfação dele ao abordar estes temas. «Sabias que os primeiros relatos escritos sobre a Atlântida, ou os mais antigos que conseguiram chegar até aos nossos dias, são de um conhecido filósofo grego, chamado Platão? Este descreveu a Atlântida como um continente perfeitamente normal, mas com uma enorme riqueza vegetal e mineral, povoada por uma civilização tecnologicamente evoluída para a época o que a tornava especial e única.» Acomodei-me bem junto ao meu avô, para não perder uma palavra que fosse da história que ele começava a contar. «Era uma vasta área, localizada no centro do oceano atlântico, com grandes planícies e grandes montanhas, dividida em dez reinos, sob protecção de Poséidon, o deus dos mares, da mitologia grega. Conta-se que por desrespeito a este, foi convocado um concílio dos deuses, para se decidir o castigo a dar aos atlantes desrespeitosos. E daí resultou os grandes movimentos tectónicos. A Atlântida tremeu violentamente, o céu escureceu como se fosse noite, os campos de cultivo e as florestas arderam e, por fim, todo o continente foi submerso por ondas gigantescas» O meu avô parou de falar e eu só ouvia a minha respiração e o barulho dos pratos que estavam a ser transportados, do armário para a mesa, pela minha avó, ao fundo na cozinha. A história não ficou por aí, eu precisava saber o que tinha acontecido às pessoas, a todo o continente... e o meu avô não se cansou de responder a todas as perguntas que lhe fiz. Por fim, já mais satisfeita, fiz as últimas questões: «Isso aconteceu mesmo, avô? A Atlântida existiu mesmo? Ou é só uma história?». O meu avô pareceu chocado. «Claro que aconteceu! Não há nada que prove o contrário. E mais, o facto de ter sido submersa, não quer dizer que tenha desaparecido para sempre… », disse duma maneira que eu já conhecia, prometendo desvendar mais mistérios. «Mas, avô, se existiu, porque é que dizem que não? A Professora contou que toda a gente conhece a Atlântida mas que jamais alguém conseguiu vê-la. Muitas pessoas já procuraram, mas que nunca a encontraram… Se existe, onde está?». O meu avô sorriu e respondeu: «Mais perto do que pensas!». Levantou-se da poltrona, desviando-me do seu colo com delicadeza, esticando o braço para alcançar um livro da estante. O livro era pequeno, com capa que me parecia couro claro, com umas letras douradas grafadas na lombada grossa que diziam “Cartas e Mapas”. Sentou-se de novo batendo no braço da poltrona, convidando-me a sentar aí, para que tivesse mais espaço para manusear o livro. Abriu-o cuidadosamente, passando algumas folhas, todas elas um pouco amarelecidas e gastas nas pontas, não pelo mau uso ou uso excessivo, mas sim, pelas marcas do tempo. Achando a página que queria, olhou para mim e sorriu, convidando-me a olhar melhor. Dizia “Atlantis Map”, em letras manuscritas. «O mapa da Atlântida!», traduziu o meu avô, sabendo que eu não tinha entendido. O meu coração disparou. O meu avô tinha um mapa da Atlântida?? O continente perdido que ninguém sabia onde ficava?? Olhei surpreendida para o meu avô como se ele guardasse um terrível segredo e disse num sussurro como se tivesse medo que alguém nos ouvisse: «Tu tens o mapa da Atlântida, avô?». A minha pele estava toda arrepiada e ficava ainda mais por o ver tão calmo. Desdobrou o manuscrito, que estava dobrado em quatro, preso na encadernação apenas por um dos quartos da folha, e pude ver o mapa por inteiro. Apontou para o local onde dizia “Atlantis” e sorriu mais uma vez. «A Atlântida ficava bem no meio do Oceano Atlântico, na região onde hoje se encontram as ilhas portuguesas, a Madeira e os Açores. Aliás, os Açores não são mais que os cumes das montanhas não submersas da Atlântida.». Olhei bem o mapa, aproximando-me mais do livro, não querendo acreditar.


O meu avô continuou, divertido: «Como vês, a localização da Atlântida não é assim tão desconhecida como muitos querem fazer crer. Os motivos desse secretismo podem ser diversos, uns para preservar a Atlântida de saqueadores sem escrúpulos, outros por ganância, procurando encontrar algo que os enriqueça, outros porque querem convencer o mundo que a Atlântida fica noutra parte qualquer porque lhes é mais conveniente. Mas, há um motivo mais forte que todos os outros… Contam que os atlantes que conseguiram sobreviver mantiveram este segredo, sob exigência de Poséidon e, com medo de o enfurecer de novo e aos Deuses, nunca o quebraram. Esse segredo tem sido preservado ao longo de milhares de anos e gerações.» Fez uma pequena pausa e retomou. «Mas as provas estão aqui…» Disse apontando para o mapa, «…nos diversos mapas existentes. E todos eles indicam a mesma localização.».
Eu estava plenamente convencida e ainda hoje guardo este precioso livro que contém diversos mapas antigos.
Essa foi a verdade que encontrei na lenda da Atlântida, pois, de facto, esses mapas existem, essa teoria existe. Tal como o meu avô disse, as nove ilhas dos Açores são tão-somente os altos cumes da Atlântida que ficaram acima do nível do mar. E eu acredito!
Mas, os açorianos, ou atlantes se preferirem, que não temam os Deuses… pois, apesar de conhecer a verdade sobre a localização da Atlântida, eu prometo que não conto a ninguém… Que Poséidon fique sossegado!


sábado, 1 de novembro de 2008

Sabias que... (IV)

Acredita em fantasmas? Não? Mas, de certeza já ouviu falar deles e de certeza que conhece alguém que já os viu… Todos têm uma opinião acerca de fantasmas e aparições, quem são, de onde vêm, porque é que aparecem, se fazem mal, se fazem bem, se é real, se é fantasia…
O meu avô tinha uma opinião muito peculiar sobre os fantasmas que sempre achei interessante. A primeira vez que a ouvi era ainda pequena e foi no dia em que acordei a gritar por causa de um pesadelo. Corri para o quarto dos meus avós ainda meio a dormir e com as lágrimas a correrem de medo, tal como eu, quando alguém me agarrou no meio do corredor. Ainda me debati tentando libertar-me do pesadelo que conseguira apanhar-me, quando ouvi ao meu ouvido, para grande alívio meu «Shsss, é o avô...», sossegando-me, enquanto sentia que me pegava ao colo e me abraçava, confortando-me da minha má experiência.
Depois de me levar para a cozinha oferecendo-me o tradicional copo de leite quentinho para acalmar, o meu avô ouviu pacientemente o meu pesadelo. Do pesadelo nada me recordo para além de que teria sido medonho, com certeza, mas sei que foi nessa altura que me perguntou «Sabias que enquanto sonhas podes estar a assombrar alguém?». Aquilo não me pareceu nada justo. Quem se assustou com o sonho, ou melhor, pesadelo fui eu. O meu avô continuou ignorando os meus pensamentos, empurrando somente a chávena em direcção à minha boca para não me esquecer de beber o leite. «É verdade! Enquanto sonhamos visitamos lugares que nunca vimos e pessoas que não conhecemos. Na verdade essas pessoas existem, existiram ou existirão e nós estamos mesmo a assombrá-las.» Não me parecia muito certo, nem me estava a ajudar a acalmar... muito pelo contrário. Acho que o meu avô percebeu as minhas hesitações e continuou: «Claro que nem sempre nos vêm e podem mesmo nunca nos ver. É preciso ter uma presença física muito forte e sólida para que nos vejam. Mas, assim como tu sonhas, e enquanto o fazes podes estar a aparecer como se fosses um fantasma a alguém, outras pessoas sonham e podem te assombrar.». «O quê, avô?», perguntava eu mais assustada que incrédula, «Se eu sonhar contigo, tu podes ver-me? E ficas com medo de mim?». O meu avô riu com vontade e explicou, recostando-se na cadeira velha mas de boa madeira, «Não é simples de compreender… mas repara, podes sonhar hoje, mas eu só te verei daqui a uns anos…». Parou para ver a minha cara, pois sabia que esta afirmação baralhava-me mais ainda. «Vejamos um exemplo, tu sonhas hoje comigo e no sonho vês-me mais velho, isso quer dizer que quando for mais velho é que poderia te ver, se a tua presença fosse fisicamente forte, como te expliquei há pouco… Ou seja, os sonhos permitem-te viajar pelo espaço e pelo tempo. Olha, lembras-te do Sr. Antoninho?». Perguntou-me ele, lembrando-se de mais um exemplo. Eu lembrava-me do Sr. Antoninho como o velho rezingão e barbudo que gostava muito de conversar com o avô, mas que não gostava do nosso cão, afastando-o sempre com os pés cada vez que ele se aproximava para o cheirar. Não simpatizava nada com ele e já o imaginava facilmente como uma assombração… «O Sr. Antoninho teve uma experiência dessas. Durante anos teve um sonho recorrente em que visitava uma casa. Conseguia descrevê-la na perfeição, de tantas vezes que já a vira, embora não a conhecesse nem fizesse a menor ideia da sua existência. Até que um dia, em visita ao seu filho na Inglaterra, enquanto procuravam casa, porque este ia casar e pretendia comprar uma, encontrou aquela que via nos seus sonhos. Reconheceu-a imediatamente, descrevendo-a antes de entrar, deixando os seus familiares muito surpreendidos, porque de facto, ao entrarem na casa, o Sr. Antoninho tinha acertado na sua caracterização. Era a casa com que tinha sonhado fazia anos. E mais surpreendidos ficaram quando os donos da casa, que estavam presentes, o viram e o reconheceram, imediatamente, como o homem que andava a assombrar a casa, motivo pela qual a pretendiam vender.» O meu avô ria-se. Continuava a achar graça a esta história antiga que o Sr. Antoninho lhe havia contado, porém não se ria de desdém, até porque, como já vos contei, o meu avô acreditava nestas coisas, mas pela a infeliz coincidência. Imaginámos a cara do casal quando viram o Sr. Antoninho e não conseguíamos parar de rir. Ri tanto que esqueci o meu pesadelo e voltei para a cama onde o meu avô aconchegou as cobertas, despedindo-se com um beijo na testa.
Hoje sei que esta teoria existe e é defendida por muitos investigadores psíquicos. Há vários relatos de histórias semelhantes à do Sr. Antoninho e outras que são também conhecidas como premonições. A maioria das aparições envolve apenas uma testemunha, mas cerca de um terço foram vistas por várias pessoas.
Pode ser uma teoria para explicar o sonho ou pode ser uma teoria para explicar o sono, pois, como se sabe, ainda não está clarificado ou provado cientificamente porque é que o ser humano necessita dormir. Sabe-se que é essencial para o bem-estar e para a saúde, mas a questão mantém-se e ninguém sabe ao certo. O facto é que as histórias de fantasmas são tão antigas quanto a existência humana, sempre as houve e sempre as haverá. Acredite-se ou não…
Nunca pensei que o meu pesadelo levasse a esta descoberta. Mesmo você, que não acredita, tem que concordar que é uma teoria interessante. Deixa-nos a pensar. A mim deixou...
Desde então, quando acordo, tento lembra-me o que sonhei, por vezes com dificuldade, acho que o nosso cérebro nos poupa um pouco destas experiências paranormais… mas sempre me preocupa se assombrei alguém naquela noite. Já quando adormeço, procuro pensar que estou em jardins espaçosos, só rodeada de árvores e flores, sem ninguém por perto para assombrar, porque, como diz o sábio e velho ditado, “Mais vale prevenir que remediar”. Ás vezes funciona, outras não. Aproveito para me desculpar sinceramente se meti medo a alguém… e, já agora, peço a todos os que me conhecem ou não… tente não sonhar comigo… por favor!!